27.6.15

ANANDA, O DISCÍPULO DILETO DE BUDDHA - Divaldo Franco


Nas velhas tradições do pensamento budista há uma bela narração a respeito de um jovem portador de beleza incomparável. Chamava-se Ananda. Discípulo de Buda, ele amava o mestre e entregara-se à sua nobre filosofia em caráter de totalidade.

Ananda era para Buda o que o jovem João representava para Jesus. Sendo um discípulo abnegado, muitas vezes viajava pelo Sul da Índia levando a mensagem do samadhi: a libertação e a vitória sobre a ilusão. Em um dos seus retornos de viagem, sob o sol ardente, percorrendo uma estrada poeirenta para ir ao monastério onde estava o mestre, Ananda viu, à sombra generosa de uma árvore, uma jovem que retirava água de um poço.

Muito cansado e transpirando em abundância, ele acercou-se da fonte e solicitou jovialmente à moça, causando-lhe grande espanto:
Dá-me de beber!

A jovem identificou nele as características de um brâmane: o porte, a roupa específica, a forma de apresentar os cabelos e o sinal colocado no centro da testa. Muito surpresa com aquela situação, ela respondeu:
Como tu me pedes água? Eu sou pária (alguém que não pertencia a nenhuma das quatro castas)! Não sabes que os párias são a sombra da fatalidade e possuem as marcas do abandono da Divindade?

O discípulo sereno redarguiu:
Não me importa se a tua é uma condição social marginalizada. Vejo-te como uma mulher. E as mulheres são anjos que a Divindade coloca na Terra para tornar menos ásperos os caminhos e menos solitárias as jornadas. Dá-me de beber!

A jovem não dispunha de um vasilhame adequado para atender ao pedido:
Mas eu não tenho como dar-te a água!
Dá-me na concha das tuas mãos! — respondeu o jovem brâmane.

A mulher, trêmula e desconcertada, mergulhou as mãos no poço e encheu-as com água, distendendo-as àquele jovem de beleza seráfica, que se dobrou e sorveu suavemente o líquido, deixando que os seus lábios tocassem várias vezes as mãos da jovem. Ele agradeceu sorrindo e completou, com uma voz repassada de ternura:
Nunca me esquecerei de ti! Eu sou Ananda.

Ao dizer isso ele partiu, enquanto a jovem ficou atormentada pelo fogo do desejo. Tomada por essa angústia, ela recorreu à sua mãe, que praticava as artes mágicas, na tradicional conceituação da bruxaria.
Mamãe, eu tenho que me casar com esse homem! Ele foi a primeira luz na noite dos meus desencantos! Tu, que podes dialogar com as sombras, pede-lhes para que me ofereçam de presente, nesta vida amarga, o suave canto daquela voz.

A genitora afirmou, em tom grave:
Como tu podes pensar em tê-lo como marido? Ele é discípulo de Buda. Naturalmente fez votos de abnegação e de castidade, o que inviabiliza completamente qualquer tentativa de convencê-lo a te desposar. Ao mesmo tempo, os anjos do Paraíso o assessoram. E não posso interceder junto aos espíritos para que o desviem da sua trajetória espiritual.
Mamãe, se eu não encontrar novamente esse homem, eu me matarei! Tu és minha mãe! Acalma meu desespero! Intercede junto às sombras para que elas o atormentem e o despertem!

Com a negativa materna, a mulher pária mergulhou em profunda melancolia. Os dias se passaram e ela estava com o corpo abalado, morrendo aos poucos, vitimada por um desejo não vivenciado. Foi então que a mãe resolveu consultar as sombras para satisfazer o pedido pungente de sua filha. Durante o transe profundo ela percebeu que poderia deslocar-se em Espírito na direção de Ananda, acompanhada de seres perversos que a conduziram na tentativa de manipular os pensamentos e as emoções do discípulo de Buda.

Neste ínterim, o jovem havia chegado ao monastério. Buda o recebeu com o seu enigmático sorriso, a sua jovialidade e a sua ternura, abençoando aquele que se lhe transformara em um verdadeiro filho espiritual. Por sua vez, Ananda procurou os seus aposentos, atirou-se no leito, mas não conseguiu dormir. Pela primeira vez ele sentiu que estranhos personagens que haviam sido sepultados nas águas do Rio Ganges retornavam de além da cortina da morte para perturbá-lo.

O discípulo mergulhou na esfera dos sonhos... Sonhou que a jovem pária apresentava-se vestida de princesa, adornada de joias e exalando odor de perfumes raros. Ante o som de uma música mística ela dançava com movimentos sensuais, exibindo uma postura de sedução quase irresistível.

Lentamente, à medida que os movimentos faziam-se mais perturbadores e provocantes, ela se desnudava e se apresentava a seus olhos como a oferta máxima do prazer. Debateu-se, angustiou-se naquele pesadelo, enquanto forças estranhas dominavam-lhe o corpo e provocavam-lhe a emoção.

Buda, que nesse momento entregava-se à meditação, irradiou a sua aura e percebeu que seu discípulo estava sob a ameaça das forças telúricas do invisível, que conseguiam mobilizar no jovem a tentação da carne, utilizando os vigorosos impulsos da animalidade que existem em todos nós.

O mestre deslocou o seu pensamento até o quarto de Ananda e expulsou as forças negativas, fazendo que se diluíssem sob o sopro da ternura e da compaixão. O jovem despertou banhado por suor, tremendo e assustado, detectando as energias protetoras do mestre nos seus aposentos. A partir desse dia, Ananda penetrou ainda mais no labirinto das meditações, que poderiam proporcionar-lhe maior soma de forças para permanecer em paz.

A jovem, que não havia alcançado os seus objetivos através das artes mágicas, recorreu novamente à mãe pedindo-lhe uma solução para o seu drama, já que sua vida perdera o sentido. O seu único sentimento era o de posse, o desejo irrefreável de ter Ananda ao seu lado.

Com sabedoria a mãe ofereceu-lhe uma sugestão:
Vai a Buda e ele te dirá alguma coisa sobre como irás obter a tua felicidade.

A jovem partiu... Quando chegou ao mosteiro em que o príncipe meditava, prosternou-se e demorou-se em atitude de reverência, procurando não interromper a concentração do mestre. No instante em que ele recobrou a lucidez, ela lhe suplicou:
Príncipe Buda, eu amo Ananda! E somente vós possuis o condão de me brindar com a companhia dele, a joia mais rara que existe na Índia!
Tu amas Ananda? — perguntou o mestre.
Amo, senhor! Mais do que a mim mesma!

Buda olhou-a demoradamente e respondeu-lhe com um sorriso:
Se tu desejas ter Ananda, deverás pagar o preço do amor. Terás que ascender até o ponto em que ele se encontra. Porque se tu queres possuí-lo, é necessário conquistá-lo. Ananda é um homem dedicado a preocupações transcendentais. E para atingir o patamar em que ele transita, terás que elevar-te através da meditação.

Ele fez uma pausa para que a proposta fosse bem assimilada e concluiu:
Terás que meditar por duas razões: primeiro, para acalmar o fogo da paixão; depois, para ser realmente a companheira que ele merece.
E por quanto tempo deverei meditar?
Por dez anos.

A jovem ergueu a cabeça e respondeu:
Por amor a Ananda, estou disposta!

O mestre concluiu:
Então vai e medita! Busca a Presença Divina, e eu te darei Ananda.

Decidida a conquistar o amor de Ananda, ela abandonou tudo, despiu-se das marcas de pária e começou a meditar. Após dez anos de meditação, ela procurou o iluminado e lhe disse que já havia encontrado um pouco de paz, mas Ananda não lhe saía da cabeça. Aos seus olhos, a cada dia o brâmane se apresentava mais viril, mais belo e encantador.
Senhor, creio que estou preparada!

Ao ouvir o relato, o mestre a contemplou, penetrou-lhe a alma e aconselhou-a:
É verdade que estás caminhando de maneira muito proveitosa. Mas falta-te um pouco mais. Necessitas aprender a renúncia para que te libertes da ilusão e da ambição. Medita mais e encontrarás a plenitude que te falta!
Por quanto tempo?
Mais cinco anos.

A jovem mergulhou por mais esse período no abismo do insondável... Penetrou ainda mais no Atman (Alma Universal). E quando emergiu, procurou novamente o mestre, curvou-se aos seus pés e relatou:
Agora estou preparada!

Buda mandou chamar Ananda e lhe comunicou que aquela era a mulher que a vida havia preparado para servir-lhe de companheira. A ex-pária levantou-se, olhou o mestre e seu discípulo com tranquilidade e declarou para surpresa de todos:
Eu já não necessito do corpo de Ananda! Ao encontrar a mim mesma e ao perceber a presença da Alma Universal, meus planos se modificaram por completo. Ao haver superado o fogo da ilusão, a paixão tentadora da posse, atingindo o patamar em que o brâmane se encontra, eu já não desejo o homem, a materialização de sua presença física para me preencher, pois eu já o tenho na intimidade do meu coração!

E depois de beijar suavemente a mão de Ananda, a jovem saiu na direção do infinito...

Buda observou atentamente aquela cena e concluiu:

A grande conquista somente é possível por fora quando a alma conquista a si mesma por dentro.

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