"Conhece-te
a ti mesmo": era o dístico, que tendo achado no pórtico do
templo de Delfos, Sócrates ensinava a seus discípulos.
Auto-analisa-te, diríamos hoje. Pratica vichara
(a
autopesquisa). Em outras palavras, eu sugeriria:
desilude-te
em relação a ti mesmo.
Tal
sugestão soa como um conselho pessimista. Não é? Desiludir-se não
é negativismo. É libertar-se. É melhorar. É progredir para Deus.
É salvar-se. Os iludidos ou estão no ou vão para o inferno. Só os
desiludidos
chegam
ao Céu. Que Deus abençoe minhas desilusões!
Quando
um ser humano consegue desiludir-se do falso diagnóstico que de si
mesmo fazia, as portas do Céu lhe são abertas. Ninguém é tão bom
como orgulhosamente se acredita, nem tão inferior quanto
pessimistamente pensa ser. Tanto a primeira como a segunda ilusão
devem ceder à judiciosa e redentora autognose, isto é, o
conhecimento (gnose) real de si mesmo: vichara.
Cada um
de nós é — quando livre da ilusão — a própria Realidade. O
homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Não é o que se
sabe?! — Pois bem, vamos procurar Deus através de conhecer aquilo
que somos, descartando-nos, para isto, dos falsos juízos que de nós
fazemos.
Simples,
não é? Pois lhe digo que á obra ciclópica, que quase ninguém
consegue realizar. No entanto, o pouco que conseguirmos na procura de
nosso Verdadeiro Eu já pode nos melhorar a úlcera; dar-nos alegria
se estivermos tristes e vida, se desanimados.
O
Verdadeiro EU
está
escondido daqueles que, pessimistas, negativistas, se consideram
inferiores, imperfeitos, fracos e degradados e filhos do pecado. Está
também fora do alcance do orgulhoso, que se considera o maior do
mundo. Está iludido quem se julga arrasado e perdido. Também o está
o que se analisa, mas imbuído de vaidade. Tanto o sentimento de
inferioridade como seu oposto são produtos do egoísmo.
Os
obstáculos que mais dificultam o julgamento de nós mesmos são:
autocomplacência,
autopiedade, auto-severidade.
Pela
primeira, o indivíduo, desejando uma agradável visão de si mesmo,
obscurece os defeitos e enfatiza tudo o que considera perfeição.
Pela segunda, desejando sentir-se um coitado, uma vítima, um
perseguido, exagera tudo o que o faça sofrer mais um pouco. A
terceira atitude é a oposta da primeira. Por ela, o perfeccionista
de si mesmo se fixa sobre o que precisa ser corrigido em seu caráter,
temperamento ou personalidade e não se interessa por saber o que ele
tem de positivo e de bom.
Qualquer
das três atitudes é fonte de egoísmo, e do egoísmo nasce.
Qualquer delas impede o autoconhecimento, além de servirem como
amplificadores das emoções e, conseqüentemente, dos "stress".
Vichara
requer
uma atitude de isenção. Quem quer chegar à conclusão de que é
uma peste de ruim, ou, ao contrário, uma santa criatura, ou um
infeliz esquecido de Deus, está cometendo o absurdo de iniciar a
pesquisa já procurando confirmar um diagnóstico prévio e, assim,
não chega a saber quem realmente é.
Quem
teme descobrir suas próprias inferioridades e mesmo anormalidades,
bem como quem deseja cada vez mais orgulhar-se do perfeito que é,
não realiza vichara.
É
preciso serena coragem e perfeita isenção para conseguir a
salvadora desilusão,
que permite o conhecer-se.
Somente
quando serena e corajosamente, sem temor ou vergonha, sem severidade
ou piedade, descobrirmos que somos mentirosos, mentirosos deixamos de
ser. Mentirosos, continuamos a ser enquanto só
nos outros vemos
a mentira.
A
condição de curar-se da burrice é chegar, com isenção, ao
diagnóstico da própria
burrice.
Na opinião de algumas escolas de pensamento, nos libertamos da
vaidade assim que nos reconhecemos vaidosos. Até mesmo
comportamentos obsessivos, tiques nervosos, hábitos errados e vícios
não são vencidos sem a conscientização
dos mesmos.
Faz
vichara
a
pessoa que toma sábia iniciativa de (com isenção, sem medo, sem
pena de si mesmo, sem alvoroço e mesmo sem ânsia de curar-se)
assistir o desenvolver de um defeito ou o desenrolar de uma crise,
procurando, acima de tudo, perceber-lhe os ocultos motivos, sem
pretender sustar, sem condenar, sem
procurar explicar as coisas com racionalizações
confortadoras.
A
psicanálise chama racionalização
o ato
de a mente engendrar convenientes, razoáveis e enganadoras
explicações para os comportamentos impulsionados do inconsciente
sobre os quais não tem domínio.
Eis um
exemplo de racionalização. Uma pessoa não resiste à bebida, e
mesmo após ter ensaiado uma resistência, fraqueja e bebe. Para não
ficar mal perante si mesma, manipula uma explicação, que a engoda.
Diz então que o álcool é um vasodilatador, que dá energia, que
protege contra o frio, estimula...
Como se
vê, a racionalização é o oposto de vichara.
Enquanto
vichara
desilude,
libertando, a racionalização escraviza, por esconder a verdade.
Quem quiser conhecer-se a si mesmo, fique alerta contra esta cilada
da mente que é a racionalização.
Da
próxima vez que começar a sentir as primeiras emoções de uma
crise, em vez de amedrontar-se e correr para os tranqüilizantes,
faça o oposto. Sente-se relaxado, sereno, corajoso, calmo, sem luta,
e comece a conscientizar tudo que for acontecendo. Procure conhecer
as causas. Perceba, sem medo, o aparecimento dos sintomas. Nada de
pânico. Nada de apiedar-se de si mesmo. Nada de esforços para
resistir e vencer.
Faça
ishwarapranidhana
ou
seja, entregue-se confiante a Deus e se comporte como um tranqüilo
observador, sem qualquer participação. Faz de conta que a "coisa"
se passa do outro lado de uma vitrina.
Isto o
ajudará a descobrir que a cobra ameaçadora é somente inofensiva
corda. Isto lhe dará confiança e domínio sobre o inimigo que até
então parecia invencível. Faça o mesmo com todo comportamento,
impulso, compulsão, atitude, e verá que irá se tornando cada vez
menos vulnerável e cada vez mais senhor de si.

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