Na
mitologia, Párvati é representada como filha do Rei Himalaia
(literalmente, “domicílio das neves”), cujo lar é certo pico na
fronteira do Tibete. Viajantes atônitos, passando ao sopé do pico
inacessível, enxergam, na distância, vasta estrutura de neve,
semelhante a um palácio, com torres e cúpulas de gelo.
Párvati,
Káli, Durga, Uma e outras deusas são aspectos de Jagânmátri,
“Divina Mãe do Cosmos”; seus diversos nomes destinam-se a
salientar funções especiais. Deus ou Shiva em seu aspecto para ou
transcendente, é inativo na criação; Seu shakti (energia, força
ativante) é relegado a Suas “consortes”, os poderes femininos
criadores que possibilitam os infinitos desdobramentos do cosmos.
Histórias
mitológicas nos Purânas dão o Himalaia como domicílio de Shiva. A
deusa Ganga desce do céu para ser a divindade que preside ao rio
cuja nascente se situa no Himalaia; por isso, diz-se poeticamente que
o Ganges flui do céu para a terra através dos
cabelos de Shiva, “Rei dos logues” e o Aspecto
Destruidor-Renovador da Trindade.
Kalidasa, o “Shakespeare da
India”, descreveu o Himalaia como o “riso maciço de Shiva”. “O
leitor pode imaginar aquela cadeia de grandes dentes brancos -
escreve F. W. Thomas em A Herança da India (Oxford) - mas a imagem
integral lhe pode escapar a não ser que perceba a figura do
majestoso Asceta, eternamente entronizado na mais elevada montanha do
mundo; ali, ao descer do céu, o Ganges passa entre mechas
emaranhadas do cabelo de Shiva, tendo a Lua como jóia de sua crista
montanhosa”.
Na
arte indiana, Shiva apresenta-se comumente usando uma pele de
antílope, de negrume veludoso, simbolizando a escuridão e o
mistério da Noite - único traje Daquele que é digâmbara, “vestido
de céu”. Certos sectários de Shiva não usam roupa, em honra
ao
Senhor que nada possui -e possui tudo.
Um
dos santos patronos de Cachemira, do século 14, Lallá Yogíswari
(“Suprema Senhora da Ioga”) era, “vestida de céu”, uma
devota de Shiva. Um contemporâneo escandalizado perguntou à santa
por que ela adotava a nudez. “Por que não?”, Lallá respondeu
com mordacidade. “Não veio nenhum homem por aqui”.
Segundo
o modo de pensar, um tanto drástico, de Lallá, quem não possui a
realização de Deus não merece o nome de “homem”. A santa
praticava uma técnica, de estreito parentesco com Kriya Yoga, cuja
eficiência ela cantou em numerosos quartetos. Traduzo aqui um
deles:
“Que
ácido de tristeza eu não bebi?
Inúmeras
(foram) minhas rondas de nascimento e morte. Vejam! nada, a não ser néctar em minha taça, (existe agora)
ingerido pela arte de respirar”.
Não
sujeita à morte comum, a santa desmaterializou-se em fogo. Mais
tarde, apareceu ante o povo magoado de sua cidade: uma forma viva
envolta em trajes de ouro - por fim, inteiramente vestida!

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