SOBRE O AMOR - Krishnamurti
Sabe,
de fato não temos amor – essa é uma coisa terrível de se
perceber. De fato não temos amor; temos sentimento; temos
emocionalismo, sensualidade, sexualidade, temos lembranças de alguma
coisa que pensamos que era amor. Mas de fato, brutalmente, não temos
amor. Porque ter amor significa não ter violência, nem medo, nem
competição, nem ambição. Se você teve amor, nunca dirá, "Esta
é minha família." Você pode ter uma família e lhe dar o
melhor que pode; mas ela não será "sua família" que está
em oposição ao mundo. Se você ama, se existe amor, existe paz. Se
você amasse, educaria seu filho não para ser nacionalista, não
para ter apenas uma profissão técnica e tratar apenas de seus
pequenos assuntos; você não teria nacionalidade. Não haveria
divisões de religião, se você amasse.
Mas como essas coisas de
fato existem – não teoricamente, mas brutalmente – este mundo
hediondo, mostra que você não tem amor. Mesmo o amor da mãe por
seu filho não é amor. Se a mãe realmente amasse seu filho, você
acha que o mundo seria assim? Ela cuidaria que ele tivesse o alimento
correto, a educação correta, que fosse sensível, que apreciasse a
beleza, que não fosse ambicioso, ganancioso, invejoso. Então a mãe,
conquanto ela possa pensar que ama seu filho, não ama. Então não
temos esse amor.
Certamente,
desde que você consumiu-se na política, seu problema não é
apenas escapar da sociedade, mas voltar totalmente à vida, amar e
ser simples. Sem amor, faça o que puder, você nunca conhecerá a
ação total que é a única coisa que pode salvar o homem.
“Isso
é verdade, senhor: nós não amamos, não somos realmente
simples.”
Por
que? Porque você está preocupado com reformas, com deveres, com
respeitabilidade, com vir a ser algo, em passar para o outro lado.
Em nome de outro, está preocupado com você mesmo; está preso em
sua própria concha. Você pensa que é o centro desta bela terra.
Nunca se detém para olhar uma árvore, uma flor, o rio correndo;
e se por acaso olhar, seus olhos estão cheios com as coisas da
mente, e não com beleza e amor.
“Novamente,
isso é verdade; mas o que a pessoa pode fazer?”
Olhe
e seja simples.
Quando as coisas da
mente não enchem seu coração, então existe amor; e só o amor
pode transformar a loucura e a insanidade atuais no mundo –
nunca sistemas, nunca teorias, nem da esquerda nem da direita.
Você só ama realmente quando não possui, quando não é
invejoso, não é ávido, quando é respeitoso, quando tem
misericórdia e compaixão, quando tem consideração por sua
mulher, seus filhos, seu vizinho, seus infelizes empregados.
Não
se pode pensar sobre o amor, o amor não pode ser cultivado, o
amor não pode ser praticado. A prática do amor, a prática da
fraternidade, ainda está dentro do campo da mente, portanto, não
é amor. Quando tudo isso tiver cessado, então o amor surgirá, e
você saberá o que é amar.
Obviamente,
amor não é sentimento. Ser sentimental, ser emocional, não é
amar, porque sentimentalismo e emoção são meras sensações.
Uma pessoa religiosa que chore por Jesus ou Krishna, por seu guru
ou alguma outra pessoa, é apenas sentimental, emotiva. Ela está
se entregando à sensação, que é um processo de pensamento, e o
pensamento não é amor. O pensamento resulta da sensação; por
isso uma pessoa sentimental, emotiva, não é capaz de conhecer o
amor. Não somos emotivos e sentimentais? Sentimentalismo,
emocionalismo é somente uma forma de auto-expansão.
Ser cheio de
emoção não é amor, obviamente, porque a pessoa sentimental
pode ser cruel quando seus sentimentos não são correspondidos,
quando seus sentimentos não podem escoar. A pessoa emotiva pode
ser motivada para odiar, para guerrear, para praticar genocídio.
O homem sentimental, que verte lágrimas por sua religião,
certamente não tem amor.
O
perdão é amor? Quais as implicações do perdão? Você me
insulta e eu fico ressentido, guardo na memória; então, por
obrigação ou por arrependimento, eu digo: “Eu te perdoo.”
Primeiro eu retenho, e depois eu rejeito. O que significa isso?
Continuo sendo a figura central; sou eu que estou perdoando
alguém. Enquanto houver a atitude de perdoar, eu sou a parte
importante, e não o homem que supostamente me insultou. Assim,
quando acumulo ressentimento e depois nego esse ressentimento,
coisa que vocês chamam de perdão, isso não é amor. O homem que
ama, obviamente não tem inimigos e é indiferente a todas essas
coisas. Solidariedade, perdão, relação de possessividade, ciúme
e medo – nada disso é amor. Essas coisas são coisas da mente,
não é verdade?
Neste
mundo árido e despedaçado, não existe amor porque o prazer e o
desejo desempenham os papeis preponderantes, no entanto, sem amor
a vida diária não tem sentido. E você não pode ter amor se não
houver beleza. A beleza não é algo que você veja – não é
uma árvore bonita, um quadro bonito, um belo edifício ou uma
bela mulher. Só há beleza quando seu coração e sua mente sabem
o que é amor.
Sem amor e sem esse senso de beleza, não há
virtude, e você sabe muito bem que, faça o que fizer – melhore
a sociedade, alimente os pobres – você só estará criando mais
maldade, pois, sem amor, só há feiura e pobreza em seu coração
e em sua mente. Mas, havendo amor e beleza, faça o que fizer,
será certo, será apropriado. Se você sabe amar, então pode
fazer o que quiser, pois isso resolverá todos os outros
problemas.
O
que é o amor? Não estamos discutindo teorias sobre o que o amor
deveria ser. Estamos observando o que chamamos de amor: “Amo a
minha mulher.” Não sei o que é que você ama; e duvido que
você ame algo. Sabe o que significa amar? Será que o amor é
prazer? O amor é ciúme? Um homem ambicioso é capaz de amar? –
ele pode dormir com a mulher, gerar alguns filhos. E um homem que
esteja lutando para se tornar importante na política, ou no mundo
dos negócios, ou no mundo da religião (onde deseja se tornar um
santo, deseja ser sem desejo), tudo isso faz parte da ambição,
da agressão, do desejo.
O homem competitivo é capaz de amar? E
vocês todos são competitivos, não é verdade? – melhor
emprego, melhor posição, melhor casa, ideias mais nobres,
imagens mais perfeitas de si mesmos; vocês conhecem bem as
situações por que passam. Isso é amor? Você é capaz de amar
ao passar por toda essa tirania, quando pode dominar sua mulher ou
seu marido, ou os seus filhos? Quando você está buscando o
poder, há possibilidade de amar?
Portanto,
na negação do que não é amor, existe amor. Entendem, senhores?
Precisam negar tudo que não seja amor, o que significa não ter
ambição, não ser competitivo, não ser agressivo, não ser
violento nem na fala, nem em ato, nem em pensamento. Quando você
nega o que não é amor, então sabe o que é amor.
Na
realidade, você não tem amor. Você tem prazer, tem sensação,
tem apegos sexuais, tais como a família, a esposa, o marido, o
apego a uma nação. Mas prazer não é amor. E o amor não é
algo divino ou profano: não há divisão. O amor significa algo a
cuidar: cuidar de uma árvore, do seu vizinho, do seu filho;
providenciar educação correta para o seu filho, e não só
colocá-lo numa escola e sumir - a educação correta, e não
apenas educação tecnológica - e providenciar para que as
crianças tenham os professores certos, o alimento certo, que elas
entendam a vida, entendam o sexo.
Restringir-se a ensinar
geografia, matemática ou alguma coisa técnica que lhes dê um
emprego – isso não é amor. E, sem amor, você não pode ser
ético – você pode ser respeitável, isto é, você pode se
conformar à sociedade: você não rouba, não vai atrás da
mulher do próximo, não faz isso nem aquilo. Mas isso não é
moralidade, isso não é virtude; é somente a conformidade da
respeitabilidade.
Respeitabilidade é a coisa mais terrível e
repugnante do mundo, porque ela abrange tantas coisas feias. Por
outro lado, quando existe amor, existe moralidade: faça você o
que fizer, será ético se houver amor.
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