O
dileto discípulo (Vivekananda) que herdara o acervo espiritual de Ramakrishna e
semeara pelo mundo a semente de seu pensamento era, tanto no físico
como na moral, sua antítese perfeita.
Para Vivekananda, os
gritos da terra, os padecimentos da época, o rodeavam com seu
faminto coro de
gaivotas. Disputavam aquele coração de leão todas as paixões
da força (não as da debilidade). Era a energia feita homem e
aconselhada aos homens.
Para
ele, como para Beethoven, a força constituía a base de todas as virtudes.
Até chegou a dizer em sua repulsa à passividade, cujo jugo secular
pesa sobre a bovina frente do Oriente:
“-
Antes de tudo, sejam varonis e fortes! Jovens, eu respeito até os
malvados, sempre que sejam fortes e varonis, porque sua força os
fará um dia renunciar à sua maldade e até a todo egoísmo. Ela os
conduzirá à verdade” (Vivekananda, 1891).
Seu
aspecto atlético contrasta com o terno corpo, tão delicado e apesar disso tão resistente de Ramakrishna. Era alto (um metro e setenta
e três), largo de costas e de peito, corpulento e pesado (pesava 110
quilos). Tinha braços musculosos, exercitados em todos os esportes;
de tez azeitonada, cara redonda, frente larga, mandíbula poderosa,
olhos magníficos, grandes, obscuros, algo convexos, com pálpebras
grossas, cujo desenho recorda a clássica folha de lótus.
Nada
escapava à magia do seu olhar, que ao mesmo tempo acariciava com sua
irresistível sedução, que brilhava de talento, de ironia, de
engenho, ou se extraviava no êxtase ou aprofundava imperativamente
no íntimo das consciências, fulminando com sua fúria. Porém,
sobretudo, não se lhe aproximou ninguém, nem na India nem na
América, que não ficasse impressionado pela sua majestade.
Havia
nascido rei. Quando aquele garoto de vinte anos se apresentou pela
primeira vez em Chicago, na sessão inaugural do Parlamento das
Religiões (que foi inaugurado em Setembro de 1893 pelo cardeal
Gibbons), eclipsou a todos que o rodeavam. Sua força e formosura, a
graça e dignidade em sua maneira de sustentar a cabeça, o sombrio
fulgor de seus olhos, seu imponente modo de andar; e tão logo falou,
a esplêndida música de sua voz cálida e profunda sugestionou de
imediato aquela multidão de anglo-saxões da América, prevenidos
contra ele por seus preconceitos de raça, e o pensamento do
guerreiro-profeta da Índia imprimiu seu selo nas mentes dos
norte-americanos.
Ninguém
poderia imaginá-lo ocupando um lugar que não fosse o primeiro. Apesar
de evitar as homenagens, julgando a si mesmo com severidade e até se humilhando,
todos, à primeira vista, reconheciam nele o eleito do Senhor, o
chefe, o homem marcado com o selo do poder que comanda os homens.
Alguém que cruzou com ele, sem conhecê-lo, no Himalaia, se deteve
surpreso e exclamou: “-Shiva!”...
Foi
como se seu deus preferido houvesse escrito seu nome na testa.
Mas
aquele rosto de mestre se achava açoitado pelos quatro ventos do
espírito. Muito poucas vezes desfrutou da serenidade do pensamento onde penetrava o sorriso de
Ramakrishna. Aquele corpo demasiado poderoso, aquele cérebro tão
vasto, eram o campo de batalha propício para as violências da alma.
O presente e o passado, Oriente e Ocidente, a ação e o sonho, se
sintetizavam nele. Sabia demasiado, podia demasiado para consentir
numa harmonia formada pela renúncia de uma parte de sua natureza, de
sua verdade. A síntese das grandes forças opostas exigia anos de
luta, nos quais se consumiu seu heroísmo ao par de sua vida. Combate
e existência eram para ele sinônimo...
Muito
curto foi o lote de dias que se lhe atribuiu. Só 16 anos desde a
morte de Ramakrishna... Uma labareda!... Quando estenderam o atleta
sobre sua pira tinha menos de 40 anos.
O
SENTIMENTO DE VIVEKANANDA PELOS POBRES DA TERRA
Turiyananda recordava as palavras de Vivekananda e a
entonação com que as disse:
‘-
Hari Bhai – exclamou ele, com o rosto arrebatado – não consigo
compreender nada de vossa pretensa religião!...’
Com
expressão de profunda dor e intensa emoção, levou uma mão tremula
ao
coração
e acrescentou: ‘- Mas meu coração cresceu muito e aprendeu a sentir o sofrimento alheio. Creiam-me, o sinto muito dolorosamente.’
A
emoção sufocou sua voz. Calou. Por seu rosto correram as lágrimas.’
Ao
fazer este relato Turiyananda achava-se profundamente comovido e o
pranto inundou seus olhos:
“-
Já podem supor – disse – o que se passou por meu ânimo ao ouvir
aquelas comoventes frases e ver a majestosa tristeza de Vivekananda. Não
são estas, pensava eu, as mesmas palavras, os mesmos sentimentos do
Buda? E recordei que fazia já muito tempo, na ocasião em que fora a
Bodigaya para meditar sob a árvore Bodhi, lhe apareceu Buda e se
introduziu em seu corpo. Eu podia perceber claramente que o
sofrimento inteiro da humanidade atravessava seu coração
palpitante.’
“-
Ninguém – continuou Turiyananda com paixão – ninguém pode
compreender Vivekananda se não consegue identificar-se um pouco com
os sentimentos vulcânicos que o agitavam.”

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